Hakarl (tubarão da Groenlândia fermentado), pendurado em um galpão

FERMENTADO OU PODRE?
Você pode achar que é fácil diferenciar comida fermentada de comida estragada, mas não é — nem um pouco. Grande parte da minha pesquisa e experimentos com comida envolve tentar descobrir se existe uma linha segura entre o que é fermentado e o que está podre. Várias vezes, quando pensei que estava perto de uma resposta, essa linha parecia fugir. Acredito que a única maneira de entender isso de verdade é experimentar os alimentos pessoalmente — sentir o cheiro, tocar e provar, especialmente ao lado de pessoas que realmente entendem do assunto.
Mas vamos começar com uma definição simples de fermentação. Basicamente, é quando bactérias agem de forma controlada nos alimentos para melhorar o sabor e aumentar o tempo que a comida pode ser guardada sem estragar.
A palavra “melhorar” é bem subjetiva, porém. O que nos faz sentir nojo ou prazer com certos alimentos é algo que aprendemos ao longo da vida, não é algo que já nasce com a gente. Por exemplo, muitas crianças não gostam de comidas com sabores fortes, como queijo azul, anchovas, pimenta, frutos do mar e alimentos fermentados (com exceção do chocolate, que geralmente tem mais açúcar do que cacau). Mas, com o tempo, muitos adultos passam a gostar desses alimentos.
As diferenças culturais também influenciam muito. Em muitos países, as pessoas fazem piada sobre o que os outros comem. Em algumas culturas indígenas, as crianças comem os mesmos alimentos que os adultos, incluindo coisas que nós, no Ocidente, consideraríamos “estranhas” ou “extrema”. O gosto e o cheiro são coisas muito pessoais.
O sal é um ingrediente importante na fermentação. Bactérias do ácido láctico, que são muito usadas em alimentos fermentados, gostam de ambientes salgados. Isso ajuda a evitar que outras bactérias ruins estraguem a comida. Na Groenlândia, por exemplo, a falta de árvores dificulta a produção de sal, porque não há madeira para aquecer a água do mar. Então, como os inuits (povo local) preservavam a comida?
Na Groenlândia, o clima nem sempre é frio o suficiente para congelar os alimentos. Por isso, eles guardavam a comida por meses, mesmo que parecesse estragada para os padrões ocidentais. Exploradores europeus, por exemplo, achavam nojento comer carne de caribu guardada por dois anos, mas os inuits comiam sem problemas e se beneficiavam disso. Já comi esse tipo de comida várias vezes e nunca tive problemas.
Essa comida é fermentada? Sim, mas é bem diferente de fermentados comuns, como chucrute ou kimchi. Nos fermentos tradicionais, o processo para quando a comida vai para a geladeira. Já na Groenlândia, a fermentação continua por muito tempo. Além disso, os inuits usam materiais naturais, como peles e fibras, para guardar a comida, o que ajuda no processo.
As pessoas raramente ficam doentes com esses alimentos, a menos que alguém tente mudar o processo natural. Por exemplo, usar plástico ou vidro para embalar a comida pode impedir a entrada de oxigênio, o que é essencial para a segurança desses alimentos.
Então, onde fica a linha entre fermentado e estragado? Fatores como clima, localização, época do ano e até a disponibilidade de sal e recipientes influenciam muito. Métodos diferentes de fermentação podem resultar em alimentos seguros para comer, mesmo que pareçam estranhos para nós.
Comidas tradicionais da Groenlândia
Um exemplo é o Kiviaq, um prato feito com aves fermentadas. Outro é o Hakarl, que é tubarão fermentado. Esses métodos de preservação não são exclusivos dos inuits. Em muitas culturas indígenas, a carne é guardada de forma natural, muitas vezes enterrada ou pendurada, para que as bactérias ajam sobre ela. Isso pode não parecer apetitoso para quem vive na cidade, mas para os caçadores-coletores, essa carne pré-digerida é uma fonte de energia muito eficiente.
Por que não usamos mais esses métodos na Europa ou na América? Na verdade, já usamos no passado. Mas, com o tempo, buscamos formas mais “práticas” de conservar alimentos, como enlatados e refrigeração, e acabamos nos afastando dessas técnicas antigas.
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